Translate

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Portugal, Cem Limites: Nuno Gonçalves, 1445

e os painéis de S. Vicente, que anunciam o Renascimento e a modernidade com um retrato sem igual de homens habitados de mistérios e de dúvida, do espírito do tempo que haveria de situar o indivíduo no centro de toda a liberdade e refundar regimes políticos e sociais na Europa.

E sobretudo o magnífico enigma que aí deixou, desde o primeiro símbolo da cosmogonia ao Cristianismo e ao futuro, num bailado iconográfico que resume a memória mítica da Humanidade.

Aqui sincretizou as trindades de Pai, Mãe e Filho com Pai, Filho e Espírito Santo; reuniu Alma e Espírito no Cristo, no Homem e no corpo do Príncipe D. Afonso V; fez imagens para a trindade do Tempo de Joaquim de Flora em forma de Baal Janus trifrontre que coloca a sua ilusão a Ocidente e a verdade a Oriente, pedindo a transmutação do passado no futuro. No centro da idade do Filho colocou a Vontade para criar a idade terceira: a do Espírito Santo.

Neste espelho de trindades simétricas tudo se harmoniza para criar a grande obra do Ocidente: convivem Mazda, Mitra, Cronos, Pitágoras, Platão, Euclides, São Miguel, Cristo, o Crisol e o Ouro, o Ein Soph e as Sefirotes. Estão mais de 5.000 anos de pensamento mítico e metafísica.

Nada há com um programa igual na arte ocidental. É o mais sofisticado voto simbólico pela imersão de um país no Espírito Santo, pela missão de conduzir a nação e o mundo à luz da compaixão cristã, à liberdade do pluralismo e à justiça da igualdade idealizada por Joaquim de Flora.

Desde a cruz e dos fundadores de Borgonha, aos refundadores de Avis, o sonho do sapateiro de Trancoso e a viagem magnífica dos Lusíadas, o Padre António Vieira, Fernando Pessoa, Agostinho da Silva, Almada Negreiros... todos aqui se reúnem também e viverão na perfeição inacabada do começo.

Na cronologia do tempo histórico, aqui está também D. Pedro, o servidor, cavaleiro da  Ordem da Jarreteira, regente de Portugal escolhido pelas Cortes de Lisboa; e o seu irmão, o Infante D. João, Grão-Mestre da Ordem de Santiago, a espada como marco e como cruz. Na posição desta espada, fosse também pelo génio do pintor ou coincidência, está o futuro: foi pela cruz e não pela espada que os Infantes D. João e D. Pedro quiseram liderar Portugal. Opunham-se às conquistas e posse de terra em África e defendiam a exploração e a aliança e esta foi talvez a divergência maior entre D. Pedro e a nobreza que apoiava o seu irmão D. Afonso. Foi a causa da morte de D. Fernando, em Fez, pela futilidade da conquista. E veio a ser a causa da morte de D. Pedro, às mãos do seu irmão, e da perda de muitas vidas de homens e mulheres que teremos de lamentar até ao fim do tempo. Mas os portugueses não estavam à altura da verdade de Joaquim de Flora. 

Sem comentários:

Enviar um comentário