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domingo, 4 de outubro de 2009

Portugal, Cem Limites: Mateus Fernandes, 1498


Entre todas as obras do manuelino em Portugal, a fonte no Museu Nacional de Arte Antiga é talvez a mais poderosa. Representa o rei D. Manuel I e a rainha D. Leonor, sua irmã, viúva do rei D. João II, e as divisas dos dois: a armilar (spera mundo) e o camaroeiro.

O título na esfera, EMPRP, diz-nos que a obra é datável ente 1495 e 1499, ano em que o título régio ganhou a extensão de d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia. 

A representação conjunta da rainha consorte viúva com o irmão soberano é mais provável tratando-se de encomenda da própria D. Leonor, possivelmente durante o tempo em que esteve regente de Portugal por ocasião de uma longa viagem de D. Manuel I a Castela e Aragão, em 1498. Sendo uma encomenda de D. Leonor, é provavelmente trabalho do seu arquiteto e mestre pedreiro favorito, que trabalhou na sua capela e hospital termal nas Caldas da Rainha, que já era arquiteto de D. João II e foi um dos criadores das capelas imperfeitas do Mosteiro da Batalha: Mestre Mateus Fernandes, o Velho (m. 1515).

A iconografia aborda os princípios opostos das mais antigas tradições orientais e ocidentais, que falam de uma síntese necessária para que o Homem possa alcançar a união com o mundo superior: Alma e Espírito, Vida e Vontade, para despertar Kundalini, a energia cósmica do Absoluto contida em cada ser e representada pela serpente em espiral ou dupla hélice. Ou também: compaixão e ação ordenadora do Bem, contemplar a impermanência e agir com equanimidade.

Sendo criada nesse ano extraordinário de 1498, é provável que invoque também o mais ousado programa de política externa de Portugal, inciado por D. João II e continuado por D. Manuel: a união do Ocidente e do Oriente numa aliança com o Reino do Preste João (Abissínia) para controlar o mar. E ainda o mais fantástico programa metafísico: a reunião do Cristianismo ocidental com a Tradição oriental de onde nasceu.

É também uma serpente, que engole a própria cauda (o ouroboros), o símbolo da eternidade.

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