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sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Portugal, Cem Limites: Os Surrealistas, 1949

Mário Cesariny, Naniora (a Poesia), c. 1950

Entre nós Os Surrealistas devolveram-nos a coragem da liberdade, celebraram a grande arte antiga portuguesa e prestaram homenagem à arte africana. É para eles, por isso, o primeiro destes cem limites da criação de Portugal.

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte   violar-nos   tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição
Mário Cesariny  (1923-2006)

que o amor se conta em anos de morte
e sabe que há um sinal
que marca a ruína infalível para a qual escorregamos
a sonhar o enigma das torres que emigram
presas a fios de aço
e que partem com o pensamento
em todas as direcções.
Henrique Risques Pereira (1930-2003)

que palavra é a hora
que hora é o pão tenro e quente!
Fernando Alves dos Santos (1928-1992)

Eu sei que os candeeiros ardendo de noite
são os pulmões dos peixes-voadores.
Mário Henrique Leiria (1923-1980)

Meu lamento não é raiva nem certeza. Espreitei na fechadura dos horizontes e o que eu julgava ser vácuo e raiva emplumada mostrou-se-me coalhado de cogumelos e de lagartas.
Pedro Oom (1926-1974)

Carlos Eurico da Costa, Cavaleiro de Palaguin, c. 1950

Na cidade de Palaguin o dinheiro era olhos de crianças... Havia janelas nunca abertas e altas prisões descomunais sem portas...Havia um corpo de bombeiros que lançava gasolina nas chamas...Havia pobres que aceitavam como esmola sacos de ouro de 302 quilos.
Carlos Eurico da Costa (1928-1998)

Quero olhar o dia a dia nos olhos, insatisfeito, como se olham os amantes. Na verdade todas as coisas têm asas, e sexo...Os que querem agarrar com ambas as mãos o impossível não se apercebem que o impossível acontece todos os dias...E aqui, onde nascemos, é precisamente o local onde o mar se afogou. Mas será por acaso que dois dos quadros mais importantes do imaginário e do mistério estão em Portugal?...
Cruzeiro Seixas (n. 1920)

A construção dos poemas
é como matar muitas pulgas com unhas de ouro azul
é como amar formigas
brancas obsessivamente junto ao peito
olhar uma paisagem em frente e ver um abismo
ver o abismo e sentir uma pedrada nas costas.

António Maria Lisboa (1928-193), para o Artur do Cruzeiro Seixas

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